Um ensino crítico e emancipador precisa ser transversal a todas as áreas de conhecimento
por Sheila Ceccon
No mês de junho a Educação Ambiental e a preocupação com o meio ambiente ganham frequentemente algum destaque. São lembradas em discursos e realizam-se ações pontuais, simbólicas, em várias cidades do país.
O dia 5 deste mês foi declarado o Dia Internacional do Meio Ambiente devido à Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada de 5 a 16 de junho de 1972, em Estocolmo, na Suécia. Foi a primeira Conferência Internacional que teve como tema central o meio ambiente, sendo considerada até hoje um marco histórico e político. Naquele momento a humanidade foi provocada a olhar com maior atenção para algo que até então seguia sem visibilidade.
A Declaração de Estocolmo, como é conhecido o documento produzido na ocasião, proclama a finitude dos recursos naturais e a necessidade de uma gestão ambiental responsável em todo o mundo. O reconhecimento internacional da educação ambiental como uma estratégia para repensar a forma de viver em sociedade ganhou maior força alguns anos depois, em 1977, quando foi realizada a Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental, em Tbilisi, na União Soviética.
No Brasil a Educação Ambiental foi marcada, na década de 1970, pela emergência de um ambientalismo que se unia à luta por democracia. Na década seguinte a Constituição Federal (1988) estabeleceu a necessidade de “promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”. Buscando dar concretude a isso, foi instituída, no fim dos anos 90, a Política Nacional de Educação Ambiental. Esta lei (9.795/99), além de decretar que “a educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação nacional”, estabeleceu no seu Artigo 10 que a educação ambiental deve ser desenvolvida como prática educativa integrada e “não deve ser implantada como disciplina específica no currículo”.
Avançamos em termos de políticas públicas nacionais de educação ambiental, em consonância com a evolução internacional do tema, mas neste momento corremos o risco de um sério retrocesso.
Tramita no Senado Federal o PLS 221, de 15/04/2015, que altera a Política Nacional de Educação Ambiental. Dispõe sobre a inserção da educação ambiental como disciplina específica no Ensino Fundamental e Médio, contrariando o acúmulo internacional a respeito e recuperando uma concepção já ultrapassada onde os saberes são construídos de maneira fragmentada.
Repensar as relações da humanidade com o planeta e buscar estabelecer novas formas de viver em sociedade que possibilitem maior respeito à vida, em todas as suas formas, impõe “ampliar o olhar”, ter uma compreensão sistêmica das questões socioambientais, políticas, econômicas e culturais. Não precisamos – e não devemos – criar mais uma “gaveta” com conteúdos isolados dos demais.
Necessitamos romper as barreiras existentes entre os diferentes conteúdos curriculares, entre as diferentes disciplinas, e entretecendo-as, contribuir para uma compreensão mais ampla da sociedade em que vivemos e do nosso papel, enquanto humanidade, na construção de um destino comum.
A educação ambiental deve estar viva nas escolas (Foto: Pixabay)
Uma educação ambiental crítica e emancipadora precisa ser transversal a todas as áreas de conhecimento. Como abordar a história sem fazer referência às questões ambientais ao longo nos séculos? E a geografia? E a biologia?
Em qual das “gavetas disciplinas” colocaríamos o conteúdo abaixo?
Já em 1823, José Bonifácio escreveu:
“(…) nossas preciosas matas vão desaparecendo, vítimas do fogo e do machado, da ignorância e do egoísmo; nossos montes e encostas vão-se escavando diariamente, e com o andar do tempo faltarão as chuvas fecundantes, que favorecem a vegetação e alimentam nossas fontes e rios (…) Virá então esse dia, terrível e fatal, em que a ultrajada natureza se ache vingada de tantos erros e crimes cometidos”. (apud ROCHA; COSTA, 1998, p. 116).
Este trecho nos faz acreditar que já no século XVIII havia conhecimento sobre o impacto e as possíveis consequências das ações humanas no ambiente. Mas faltou vontade ou força política para mudar o curso da história.
Fragmentar os conteúdos é limitar o entendimento, é um desserviço à compreensão da complexidade tão necessária à sociedade contemporânea.
A educação ambiental que se pretende efetivamente transformadora deve estar viva nas escolas em quatro dimensões de atuação: nos conteúdos curriculares abordados, no espaço físico, na gestão democrática e na relação da escola com a comunidade. Educação ambiental não se teoriza, se vive.
O espaço educa, as relações interpessoais dentro da escola educam, as relações com a comunidade mais próxima e mais distante da escola também educam. Realizar educação ambiental implica exercitar o cuidado com a vida, a responsabilidade compartilhada em relação ao presente e o futuro, destas e das próximas gerações. Não se trata de uma série de conteúdos a serem abordados em uma disciplina específica, mas de formação humana, de ciência a serviço do bem comum, de compromisso político, de coerência entre conhecimento construído e atitudes cotidianas.
Freire, em seu livro Política e educação, afirma que muito da tarefa educativa das cidades depende da nossa posição política, da maneira como exercemos o poder no lugar onde vivemos e do sonho ou da utopia com que embebemos a política: “a serviço de que e de quem a fazemos.” (FREIRE, 1993, p. 13).
Nessa perspectiva, a aprovação do PLS 221, que a qualquer momento pode ser colocado em votação no Senado, será um enorme retrocesso. Esse Projeto de Lei contraria várias outras disposições legais, onde a Educação Ambiental é entendida como responsabilidade do poder público e da coletividade, devendo ser desenvolvida de forma integrada e articulada em todos os níveis e modalidades de ensino, seja formal ou informal, sendo reconhecido seu caráter transversal. Essa é a visão da Constituição Federal (1988), Artigo 225 (parágrafo I, inciso VI), da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (1996) em seu Artigo 26, dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) e da Lei 9.795 (1999), que instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental.
Na década de 1990, no livro Pedagogia da autonomia, Paulo Freire escreveu que não é possível existir sem assumir o direito e o dever de optar, de decidir, de lutar, de fazer política. Segundo ele, isso nos remete à imperiosidade da prática formadora, de natureza eminentemente ética. Nos leva à radicalidade da esperança. Afirma que a realidade não é inexoravelmente essa. Está sendo essa, mas poderia ser outra e é para que seja outra que precisamos, os progressistas, lutar. (FREIRE, 1996, p. 83)
A Educação ambiental não pode ser responsabilidade de um professor ou professora em específico. É responsabilidade de todos/as.
Precisamos estar atentos, discutir o assunto e assumir posições.
Saiba mais:
FREIRE, Paulo (1993). Política e Educação: ensaios. São Paulo: Paz e Terra. São Paulo: Cortez Editora
_____________(1996). Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Editora Paz e Terra.
Manifesto de educadores e educadoras ambientais contra o PLS 221
Programa Nacional de Educação Ambiental, 4ª edição
Política Nacional de Educação Ambiental
ROCHA, Ana Augusta e COSTA, José Pedro de Oliveira. (1998). A Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e sua aplicação no Estado de São Paulo. São Paulo: Terra Virgem.
*Sheila Ceccon é engenheira agrônoma, especialista em Horticultura pela Universidade de Pisa-Itália, mestre em Ensino e História de Ciências da Terra, pelo Instituto de Geociências da Unicamp -SP. No Instituto Paulo Freire, coordena duas instituições mantidas: a Casa da Cidadania Planetária, responsável por projetos de educação socioambiental, e a UniFreire, espaço de produção e publicização de conhecimentos fundamentados pelos princípios freirianos.