Por Sheila Ceccon
Originalmente publicado na Revista (mexicana) Jandiekua, em 2014
Resumo:
Este artigo estabelece relações entre os princípios filosóficos, políticos e pedagógicos de Paulo Freire, registrados em alguns livros do autor publicados em diferentes momentos de sua vida, e a educação ambiental critica, na perspectiva do exercício da cidadania planetária. Na sequência, faz referência a uma pesquisa participante realizada neste sentido e a alguns de seus resultados.
Abstract: This article establishes relations among Paulo Freire’s philosophical, political and pedagogical principles, registered in some of his books published in different moments of his life, and the critical environmental education, into the perspective of the exercise of planetary citizenship. In the sequence, it refers to a participative research done in this sense and some of its results.
Paulo Freire não dedicou nenhuma de suas obras explicitamente à educação ambiental, entretanto, não são poucas as contribuições que encontramos em seus escritos relacionadas à educação ambiental crítica, politizadora e comprometida com a transformação das pessoas e do mundo. Sua obra trás princípios filosóficos, políticos e pedagógicos que fortalecem a importância da formação de sujeitos que valorizam a vida, em todas as suas formas, e que respeitam a si mesmos, aos outros e ao mundo. Cidadãos/ãs cujas práticas diárias são intencionais, impregnadas de sentido, que percebem a inter-relação existente entre as atitudes individuais e os impactos socioambientais locais, regionais e planetários. Pessoas que não se contentam em agir individualmente de forma responsável, mas ocupam os espaços de participação social buscando contribuir para a transformação de atitudes de tantos outros sujeitos. Homens e mulheres que exercem ativamente sua cidadania, acreditando na possibilidade de transformar a realidade tornando-a mais justa e mais feliz.
A importância da formação desses sujeitos, que se posicionam frente a realidade não se deixando enredar pela massificação de comportamentos tão comum em nossa sociedade, que nos faz abrir mão do direito a decidir o que queremos ser ou fazer, foi explicitada por Paulo Freire já na década de 1960, em seu livro “Educação como Prática da Liberdade”. Nele, Freire dizia que uma das grandes, se não a maior tragédia do homem moderno, está em que é hoje dominado pela força dos mitos e comandado pela publicidade organizada, ideológica ou não, e por isso vem renunciando cada vez mais, sem o saber, à sua capacidade de decidir. ( FREIRE, 1967 p. 51)
Quase quatro décadas depois, seguimos esgotando elementos da natureza e contribuindo para o aviltamento das relações trabalhistas por meio da competição acirrada entre produtos com origens geográficas das mais variadas e contextos políticos e socioeconômicos absolutamente diferentes. Consumir é o lema. A obsolescência programada é um fato com o qual convivemos passivamente, ou seja, produtos têm sua vida útil intencionalmente curta, para que novos modelos sejam adquiridos. Como resultado temos o esgotamento de recursos naturais sendo acelerado, solos, água e ar sendo contaminados mais rapidamente, depósitos de rejeitos se multiplicam, uma grande parcela da população se endivida e, em contrapartida, uma minoria torna-se cada vez mais rica.
Temos renunciado à nossa capacidade de decidir, embalados pela força dos mitos e comandados pela publicidade organizada, sem que nos perguntemos a favor de que e de quem estão esses valores. Temos nos deixado “expulsar da órbita das decisões”, como escreveu Paulo Freire no mesmo livro. Segundo ele, “as tarefas de seu tempo não são captadas pelo homem simples, mas a ele apresentadas por uma elite que as interpreta e lhas entrega em forma de receita, de prescrição a ser seguida. E quando julga que se salva seguindo prescrições, afoga-se no anonimato nivelador da massificação, sem esperança e sem fé, domesticado e acomodado: já não é sujeito”. ( FREIRE, 1967 p. 51)
Problematizar a realidade buscando compreendê-la, posicionar-se em relação a ela e repensar valores e atitudes, é uma ação educativa de fundamental importância, dentro e fora do ambiente escolar. É uma prática que forma “cidadãos”. Não é possível ensinar por ensinar, como se o mundo fosse algo distante dos conteúdos previstos nas disciplinas, alheio ao conhecimento encontrado nos livros. Compreender a realidade e construir possibilidades de nela intervir, torna vivo o conhecimento escolar e mobiliza, engaja, fortalece o hábito de buscar construir novas realidades frente aos desafios encontrados. 2
Na década de 1970, em seu livro “Pedagogia do Oprimido”, Paulo Freire escreveu que quanto mais os educandos problematizam a realidade, como seres no mundo e com o mundo, tanto mais se sentem desafiados. E quanto mais desafiados, mais se sentem obrigados a responder ao desafio. Afirma que “desafiados, compreendem o desafio na própria ação de captá-lo. Mas, precisamente porque captam o desafio como um problema em suas conexões com outros, num plano de totalidade e não como algo petrificado, a compreensão resultante tende a tornar-se crescentemente crítica, por isto, cada vez mais desalienada.” (FREIRE, 1970, pg. 70)
Formar sujeitos comprometidos com a preservação da vida, que percebem a humanidade como uma grande família integrada ao planeta Terra e sentem-se responsáveis por agir no sentido de tornar o mundo um lugar melhor, não é algo simples, possível de ser conquistado seguindo o “passo a passo” de livros elaborados sem que as especificidades de territórios e comunidades sejam consideradas. É preciso ler o mundo mais próximo, identificar potencialidades e desafios, compreendê-los e, em uma estreita relação entre escola e vida, livros e mundo, construir coletivamente possibilidades de intervenção. Segundo Freire, a educação como prática da liberdade, ao contrário daquela que é prática da dominação, implica a negação do homem abstrato, isolado, solto, desligado do mundo, assim como também a negação do mundo como uma realidade ausente de homens. A reflexão que esta educação propõe, é sobre os homens e sua relação com o mundo. (FREIRE, 1970, pg. 70)
Na década de 1980, em seu livro “A importância do ato de ler”, Freire descreve sua relação com o quintal da casa em que morava, seu mundo imediato, cheio de cores, cheiros, poesia e desafios. A reflexão que faz sobre a densidade da relação existente entre o menino e seu mundo, é, sem dúvida, um sonho para todos/as os/as educadores/as ambientais. Provocar o desligamento do “piloto automático” em que vivemos e aguçar a percepção em relação à vida e às coisas que nos envolvem cotidianamente é um dos grandes objetivos da educação ambiental e em especial da ecopedagogia.
Nessa publicação, Freire descreve a casa em que nasceu, no Recife, 3 “rodeada de árvores, algumas delas como se fossem gente, tal a intimidade entre nós – à sua sombra brincava e em seus galhos mais dóceis à minha altura eu me experimentava em riscos menores que me preparavam para riscos e aventuras maiores”. (FREIRE, 1989) Conta que os “textos”, as “palavras” e as “letras” daquele contexto se encarnavam no canto dos pássaros, na dança das copas das árvores sopradas por fortes ventanias que anunciavam tempestades, trovões, relâmpagos; nas águas da chuva brincando de geografia: inventando lagos, ilhas, rios, riachos. Segundo ele, os “textos”, as “palavras” e as “letras” daquele contexto se encarnavam também no assobio do vento, nas nuvens do céu, nas suas cores, nos seus movimentos; na cor das folhagens, na forma das folhas, no cheiro das flores – das rosas, dos jasmins -, no corpo das árvores, na casca dos frutos. Na tonalidade diferente de cores de um mesmo fruto em momentos distintos: o verde da manga-espada verde, o verde da manga-espada inchada; o amarelo esverdeado da mesma manga amadurecendo, as pintas negras da manga mais além de madura. (FREIRE, 1989)
Ao descrever o quintal onde morava desvela uma profunda relação com a terra, com plantas e animais, uma profunda integração à natureza. Percebe, sente, observa, toca. Vive, intensamente, sua relação com o mundo. Com o seu mundo imediato de menino. Que por ser tão sensivelmente percebido e vivido, torna-se imenso, intenso, emocionante.
Mas o seu mundo de menino não era só feito de terra, plantas, bichos, vento e cores. No mesmo texto ela fala também das pessoas que dele compartilhavam. “Daquele contexto – o do meu mundo imediato – fazia parte, por outro lado, o universo da linguagem dos mais velhos, expressando as suas crenças, os seus gostos, os seus receios, os seus valores”. (FREIRE, 1989, p 10) Fala das pessoas a partir do que sentiam e acreditavam.
Essa forte relação com o mundo e com a humanidade, esse sentimento de pertencimento e de responsabilidade, é a base da educação ambiental. Freire não só teorizava, vivia. Enquanto menino vivia intensamente a relação com seu quintal e tudo o que nele existia. Quando adulto, fez história ampliando seu universo de ação. Por meio da educação, contribuiu com a construção de autonomia e formação política dos “excluídos” de diferentes países. Sensibilidade e engajamento, percepção do mundo e compromisso em transformá-lo. Características marcantes do legado freiriano e aspectos fundamentais da educação ambiental crítica. Esta, tem como característica maior a promoção da vida. Não é uma educação que incentiva a contemplação, mas, ao contrário, que promove o engajamento, a ação política em defesa da vida e de seus direitos.
As injustiças sociais e os crimes ambientais praticados recorrentemente não podem ser motivo de desânimo, mas de desafio. Desafiados devemos seguir, juntos/as, construindo estratégias para transformar a realidade. Nesse sentido, especialmente nós, educadores e educadoras, temos um importante papel.
Na década de 1990, no livro “Pedagogia da Autonomia”, Freire escreveu que não é possível existir sem assumir o direito e o dever de optar, de decidir, de lutar, de fazer política. Segundo ele isso nos remete à imperiosidade da prática formadora, de natureza eminentemente ética. Nos leva à radicalidade da esperança. Afirma que a realidade não é inexoravelmente essa. Está sendo essa, mas poderia ser outra e é para que seja outra que precisamos, os progressistas, lutar. (FREIRE, 1996, p. 83)
Alguns anos depois, no livro “Pedagogia da Indignação”, publicado pouco tempo após a sua morte, Freire faz um apelo:
Urge que assumamos o dever de lutar pelos princípios éticos mais fundamentais como do respeito à vida dos seres humanos, à vida dos outros animais, à vida dos pássaros, à vida dos rios e das florestas. Não creio na amorosidade entre homens e mulheres, se não nos tornamos capazes de amar o mundo. A ecologia ganha uma importância fundamental neste fim de século. Ela tem de estar presente em qualquer prática educativa de caráter radical, crítico ou libertador. ( FREIRE, 2000, p 67)
Identificar-se com os princípios filosóficos, políticos e pedagógicos de Paulo Freire e reconhecê-los na educação ambiental crítica é o primeiro passo de um longo caminho no sentido de torná-los realidade do contexto de redes públicas de educação.
Nessa perspectiva, um desafio a ser enfrentado é favorecer e qualificar a participação de gestores, professores, funcionários, estudantes e familiares na construção de uma escola pública onde a educação ambiental permeie todas as áreas de conhecimento e, efetivamente, contribua para a construção de novas compreensões sobre a sociedade e o ambiente.
Acreditamos que os processos pedagógicos devem partir da realidade dos educandos(as) e devem ser realizados “com” e não “para” eles e elas. Entretanto, a problematização da realidade vivida e a construção do conhecimento a partir dos saberes que dela fazem parte, apesar de não ser algo novo, ainda está longe de ser realidade no contexto educativo atual. No livro “Cartas a Cristina”, em 1995, Paulo Freire já argumentava a favor do reconhecimento dos saberes produzidos no dia a dia das classes sociais:
O que vem ocorrendo é que, de modo geral, a escola autoritária e elitista que aí está não leva em consideração, na organização curricular e na maneira como trata os conteúdos programáticos, os saberes que vêm se gerando na cotidianidade dramática das classes sociais submetidas e exploradas. Passa-se por muito longe do fato de que as condições difíceis, por mais esmagadoras que sejam, geram nos e nas que as vivem saberes sem os quais não lhes seria possível sobreviver. (…) Saberes que, em última análise, são expressões de sua resistência. Estou convencido de que as dificuldades referidas diminuiriam se a escola levasse em consideração a cultura dos oprimidos, sua linguagem, sua forma de fazer contas, seu saber fragmentário do mundo de onde afinal transitariam até o saber mais sistematizado, que cabe à escola trabalhar. (FREIRE, 1995, p.35)
Partir da cultura e dos saberes dos diferentes sujeitos que compõem a comunidade escolar, implica inseri-los no processo de construção dos currículos, contribuir para que todos os envolvidos no processo educativo se reconheçam, simultaneamente, como educandos-educadores-pesquisadores. Nesta perspectiva, o professor Carlos Rodrigues Brandão (2008), afirma que todos os projetos de formação humana devem partir de um princípio tríplice: integração, interação e indeterminação, conforme explica:
(…) Em um mundo plural, dinâmico e inevitavelmente “trans”, todas as práticas que incidem sobre projetos de formação humana – através ou não da educação – devem partir de um princípio tríplice. O da “integração” entre os diferentes tipos e dimensões do saber científico (transdisciplinaridade entre as ciências). O da “interação” entre as “ciências cultas” (eruditas, oficiais etc.) e as outras diferentes dimensões de conhecimentos, de saberes e de sistemas de sentido, provenientes de filosofias, de religiões e espiritualidades e, em nosso caso, e com grande importância, das “tradições patrimoniais”, as culturas autóctones (povos indígenas) e populares. Daquilo que, em sequentes assembleias internacionais da ONU e da UNESCO, foi consagrado como “Patrimônio Cultural Imaterial” de uma comunidade, de um povo, de uma etnia, de toda a humanidade. O da “indeterminação”, pois na esteira das ideias mais esquecidas de Paulo Freire, retomadas hoje, com outras palavras, por Edgar Morin, sabemos que “o homem não é, ele está sendo”. Assim também o saber, a ciência, a educação e a vida social. Tudo aquilo com que convivemos e que transformamos em educação não é nunca estável, definitivo e consagrado. “Tudo o que é sólido desmancha no ar”. Quase tudo o que o ser humano vive é realização de seu fazer, de seu trabalho. É uma construção cultural em uma sociedade. E é, como algo que acontece na história, transitório e transformável. (…)As diferentes expressões e dimensões das “culturas populares” não devem ser apenas “levadas em conta” como fragmentos folclóricos de modos de ser, pensar, viver e agir populares, mas devem ser assumidas como a substância social que fundamenta nossa proposta de educação. (BRANDÃO, 2008, in PADILHA et all, 2011)
Como fazer para que as diferentes expressões e dimensões da cultura popular sejam de fato assumidas como substância social que fundamente propostas de educação, como sugere Carlos Rodrigues Brandão? Como fazer para que os currículos partam da cultura dos oprimidos, de seu saber sobre o mundo e transitem até um saber mais sistematizado, como propõe Freire? (FREIRE, 1995, p.35)
Ao compartilhar alguns passos dados podemos inspirar novas caminhadas e, talvez, sensibilizar e mobilizar outros sujeitos. É nesta perspectiva que recupero alguns aspectos mais relevantes da experiência a que me refiro a seguir.
No período de 2009 a 2012 o Instituto Paulo Freire coordenou uma Pesquisa Participante que buscou identificar qual currículo contribui para a formação de “cidadãos planetários”, sujeitos que exercem sua cidadania tendo como referência o mundo, consideram a humanidade como sua família, envolvem-se na busca pela igualdade social para todos e todas e agem com responsabilidade com relação ao meio ambiente, pois sentem-se integrados à Terra.
Nesta perspectiva, foi formado um grupo bastante heterogêneo de pesquisadores, composto por representantes de estudantes, professores, familiares, funcionários e gestores da escola (diretora, vice diretora e coordenadora pedagógica), além de educadores do Instituto Paulo Freire. Encontros de pesquisa e formação foram realizados semanalmente durante todo o primeiro ano da pesquisa e quinzenalmente no ano seguinte. O processo vivenciado provocou um significativo fortalecimento da equipe de trabalho, que aos poucos estabeleceu um ritmo de autoformação, pesquisa, e integração, que favoreceu uma ação cada vez mais crítica, criativa e propositiva na direção do alcance dos objetivos da pesquisa.
O processo vivido contribuiu para uma maior responsabilidade do grupo em “agir”, conforme reforça Freire, quando afirma que:
“Estar no mundo, para nós, mulheres e homens, significa estar com ele e com os outros, agindo, falando, pensando, refletindo, meditando, buscando, inteligindo, comunicando o inteligido, sonhando e referindo sempre a um amanhã, comparando, valorando, decidindo, transgredindo princípios, encarnando-os, rompendo, optando, crendo ou fechado às crenças. O que não é possível é estar no mundo, com o mundo e com os outros, sem estar tocados por uma certa compreensão de nossa própria presença no mundo. Vale dizer, sem uma certa inteligência da História e de nosso papel nela.” FREIRE, 1997, p. 678
Uma vez “tocados por uma certa compreensão de nossa própria presença no mundo”, é preciso optar, decidir a serviço de que e de quem está nosso fazer pedagógico. Paulo Freire nos ensinou que não há neutralidade, a educação é um ato político a favor da manutenção da realidade como está ou da sua transformação em algo “menos feio”, mais próximo daquilo com o que sonhamos.
Feita a opção por uma educação emancipadora, que contribua para a autonomia dos envolvidos, resta-nos construir caminhos para realizá-la. E neste sentido, o diálogo é um componente primordial. Diálogo, que, conforme Paulo Freire tem por base cinco condições essenciais:
1º. O amor. Não é possível a pronúncia do mundo, que é um ato de criação e recriação, sem um profundo amor ao mundo e aos homens. Amor é um ato de coragem, é compromisso com os homens. Onde quer que estejam os oprimidos, o ato de amor está em comprometer-se com sua causa. A causa de sua libertação. Mas este compromisso, por que é amoroso, é dialógico. “Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens, não me é possível o diálogo” (FREIRE, 2008, p.92)
2º. A humildade. A pronúncia do mundo, com que os homens o recriam permanentemente, não pode ser um ato arrogante. Segundo Freire, a auto-suficiência é incompatível com o diálogo. Afirma que “se alguém não é capaz de sentir-se e saber-se tão homem quanto os outros, é que lhe falta ainda muito que caminhar , para chegar ao lugar de encontro com eles. Neste lugar de encontro, não há ignorantes absolutos, nem sábios absolutos: há homens que, em comunhão, buscam saber mais” (Freire, 2008, p. 93)
3º. A fé nos homens. Não há diálogo se não houver uma intensa fé nos homens. Fé no seu poder de fazer e refazer, de criar e recriar, na sua vocação de ser mais, o que não é privilégio de alguns mas direito de todos. “A confiança vai fazendo os sujeitos dialógicos cada vez mais companheiros na pronúncia do mundo”. (Freire. 2008, p. 94)
4º. A esperança. Se o diálogo é o encontro dos homens para ser mais, não pode se dar na desesperança. A esperança está na própria essência da imperfeição dos homens, levando-os a uma busca constante. É importante salientar que não se trata de uma esperança que provoca o cruzar de braços, mas a ação, como escreveu Freire: “Movo-me na esperança enquanto luto e, se luto com esperança, espero”. (Freire. 2008, p. 94)
5º. O pensar crítico. Para Freire, não há diálogo verdadeiro sem um “pensar verdadeiro”, o pensar crítico. Um pensar que vê a realidade como um processo em curso, e não como algo estático, imutável. O pensar ingênuo vê na realidade pretexto para acomodação, enquanto o pensar crítico vê na mesma estímulos para a ação, motivos para transformação. (Freire, 2008, p.95)
Para Paulo Freire o diálogo se identifica com a própria educação.
Foi esta perspectiva de educação, emancipadora e dialógica, “molhada” de amor, humildade, fé, esperança e pensar crítico, que orientou a pesquisa participante realizada. Os encontros periódicos não só promoveram a construção de conhecimentos sobre os próprios sujeitos pesquisadores, suas concepções, vivências e sonhos, como também possibilitaram o fortalecimento de laços de amizade e respeito.
Aos poucos, a concepção de “cidadania” se ampliou. Exercer a cidadania, inicialmente, era percebido como “não fazer” determinadas coisas: não jogar lixo no chão, não depredar patrimônio público, não agredir ninguém, não desrespeitar leis etc. Sugeria que permanecer de braços cruzados, inerte, poderia ser uma boa forma de exercer a cidadania. Os estudos e as discussões realizadas, pouco a pouco foram possibilitando ao grupo incorporar a concepção de “cidadania ativa”, ou seja, passaram a perceber a importância de agir no sentido de garantir, cotidianamente, um conjunto de direitos e liberdades políticas, sociais e econômicas, de se tornarem de fato sujeitos da própria história. Da mesma forma, as reflexões realizadas do decorrer da pesquisa fizeram com que o grupo percebesse que para o exercício de cidadania ativa é fundamental o acesso à educação, à saúde, à informação, à participação política e ainda, o fortalecimento da identidade cultural e da capacidade de intervenção na realidade.
Uma das alunas que integrou o grupo de pesquisa deu um depoimento, logo após participar de uma das atividades de Leitura do Mundo, que ilustra bem o desvelamento da realidade provocado pela pesquisa e o comprometimento com sua transformação:
Para mim está sendo muito importante participar do Programa porque eu aprendo coisas novas, conheço pessoas novas, até mesmo de outros países. Na Leitura do Mundo eu pude aprender um pouco mais do bairro, do que as pessoas da comunidade pensam sobre a escola, se conhecem sobre cidadania… Um exemplo de algo que eu vi e gostaria de mudar é o lixão. Uma criança sozinha não consegue mudar aquilo, mas várias crianças juntas conseguem, com o apoio da escola. Ele pode diminuir se a gente puder fazer coletivamente as coisas certas. Isso não depende só das crianças nem só da escola. Depende da comunidade, do bairro e da cidade. (Ana Júlia da Silva Pita, 11 anos, pesquisadora do Programa Educação para a Cidadania Planetária)
O olhar atento para a paisagem mais próxima, motivado pelos estudos e reflexões realizados, fez com que os pesquisadores passassem a imprimir novos significados para o ambiente onde viviam. O lixão existente no bairro era, em parte, invisibilizado, tido como um componente imutável da paisagem. A partir dos estudos realizados tornou-se um desafio para o exercício de cidadania: “ele pode diminuir se a gente puder fazer coletivamente as coisas certas”, como afirma Ana Júlia.
Uma nova proposta curricular foi construída e implementada a partir desta pesquisa, tendo como referência a formação de “cidadãos planetários”. A mudança do olhar sobre o lugar, provocou uma mudança na compreensão do próprio espaço e das responsabilidades em relação a ele. Nesta perspectiva, o bairro passou a ser visto como um “lugar” de diálogo, estudo, aprendizagem e intervenção. Lugar de exercício da cidadania tendo como referência o mundo, o planeta.
Palavras chave: pegadogia freiriana, educação ambiental crítica, cidadania planetária.
Bibliografia
FREIRE, Paulo (1989). A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez.
FREIRE, Paulo (1995). Cartas a Cristina. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
FREIRE, Paulo (1967). Educação como Prática da Liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
FREIRE, Paulo (1996). Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra.
FREIRE, Paulo (1992). Pedagogia da Esperança. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
FREIRE, Paulo (1970). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
FREIRE, Paulo (2000). Pedagogia da Indignação: Cartas Pedagógicas e outros escritos. São Paulo:UNESP.
PADILHA, Paulo Roberto et al (2011). Educação para a Cidadania Planetária. São Paulo: Editora e Livraria Instituto Paulo Freire